domingo, 17 de agosto de 2025

Espelho

Ele, atlético, alto, com a barba bem feita. Ela, uma dama no auge de seus 37 anos, que poucos diriam sua idade real. Seu corpo revelava curvas que deixavam a todos inertes e seduzidos.

No ir e vir entre um café e outro, surgia um 'oi' desavisado, um olhar mais quente ou, até mesmo, o cheiro do perfume dele no ar. Depois de algum tempo, os breves cumprimentos já não eram suficientes para expressar a química que os atraía. Em uma repartição pública, o tempo é curto, contado.

O tempo urge. O que ruge dentro deles é o desejo da intimidade, cronometrado pelo tic-tac do relógio. A rotina, poucas vezes quebrada pelos compromissos laborais e familiares, não permitia diálogos, nem tempo a sós.

Ele, casado e pai. Marido. Ela, uma dama, esposa e mãe. A rotina vira tédio e o tédio, adultério. Ou quase isso. Um café não tira pedaço. Uma carona não é nada demais. Um bilhete é só um pedaço de papel.

Uma hora, uma ligação. Um recado no computador. "Podemos nos ver depois?". O carro dele corta a noite chuvosa. O dela, logo atrás.

Um quarto escuro, sem janelas. Apenas um leito oval. O cheiro? De mofo e desinfetantes baratos. O espelho no teto, firme e brilhante. Sorrisos.

Um beijo longo. As carícias reprimidas se esvaem entre os dedos dos dois. O úmido do quarto molha os corpos. A paixão é apressada, um esquecimento mútuo da vida lá fora. O esquecimento é para sempre. Os corpos se abraçam.

Um rangido metálico. Um estalo seco. Eles estão agora mortos. As únicas testemunhas são os cacos de vidro, agora manchados de vermelho. A traição acabou. O tempo que se apressou demais, chegou ao fim.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

As pessoas na sala de jantar.

Cantariam os Mutantes: "As pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer". Pois bem. Passaram-se 57 anos desde a famosa gravação no caótico ano de 1968. E desde lá as pessoas se ocupam da mesma coisa. 

Já havia escrito em outro texto que, em minha percepção ao menos há uma apatia constante arraigada na sociedade atual. Ao que parece tudo surgiu do acaso, do oco. Nada que temos como direitos foram em nenhum momento conquista de luta. Foi assim por que Deus quis assim.

Em outro momento, talvez as coisas fossem outras. Mas como o 'se' não conta história, o melhor a se fazer é esperar emergir um monstro da lagoa.

O que mudou foi apenas o local. Antes, as pessoas davam-se ao luxo de estar na sala de jantar. Agora estão na sala de reuniões, no metrô, no feed do Instagram. Nascem a cada like, morrem a cada scroll. A vida virou um loop de atualizações, e a revolução foi substituída pelo botão 'compartilhar'. 

Parece que a sala de jantar dos Mutantes virou um pedido do Ifood. A mesa é conjunta mas cada um está em uma fatia diferente do mundo. 

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Injustiça legalizada.

Acordo com a notícia que um jornalista foi assassinado por Israel na cidade de Gaza. Mas para Israel, não era um jornalista, mas sim "membro do Hamas". 

A lógica é esta: está vivo, respirando e relatando as atrocidades cometidas pela IDF, é um terrorista. Independente da origem, da etnia, da religião. 

Israel diz erar em uma luta do bem contra o mal. Mas o mal, ao que parece está em todo o lugar. 

Se uma escola foi bombardeada: era um quartel do Hamas.

Se um hospital foi destruído: haviam membros do Hamas lá.

Se jornalistas, crianças famintas foram assassinadas em busca de comida: eram infiltrados do Hamas.

Mas para a maioria da população brasileira, Israel está correto em cometer tais atos, afinal é o 'povo escolhido por Deus'. Além do mais, não é incomum em passeatas de direita pessoas usarem a bandeira de Israel, alegando se tratar de um Estado cristão..

É controverso amar um Deus justo e ao mesmo tempo defender um país que mata crianças na fila de comida, assassina civis inocentes, ocupa áreas de maneira ilegal e tudo isso debaixo de um discurso de legitimidade. 

Além de controverso, é nojento e asqueroso.

Postagem em destaque

A apatia que assusta.

Foi sempre assim. Ouço isso com certa frequência quando vejo as pessoas ao meu redor dialogando sobre assuntos triviais. Sempre foi e, porta...