sexta-feira, 25 de julho de 2025

Perdão

Lá pelas bandas do Alegrete, morava um sujeito magro, de aparência pueril. Seu nome era Jesuíno. Os cabelos, sempre bem penteados e rentes ao rosto, emolduravam um rosto pálido onde se destacavam óculos de lentes fundas. Por trás delas, via-se perfeitamente o verde desbotado de suas pupilas. Suas mãos, de dedos longos e finos como os de um pianista, carregavam uma aliança dourada que reluzia ao sol. No entanto, nunca se vira tal homem acompanhado de qualquer dama.Morava na última casa da Rua dos Marinheiros. Sua casa era a de número 17 — uma construção do começo do século passado, cercada por uma grade pontiaguda, por onde se via um longo gramado mal cuidado, salpicado de flores amarelas. Os crisântemos, resistentes e solitários, davam um ar de falsa nobreza ao lugar, como se a casa insistisse em manter alguma dignidade, ainda que há anos ninguém a tivesse cuidado. 

O prédio, de um vermelho carmim desbotado, era uma construção de madeira antiga, com duas janelas verdes de caixilhos corroídos pela umidade. A porta, feita de um único batente gasto, exibia um orifício circular no centro - uma espécie de olho mágico primitivo que observava a rua deserta. Os vizinhos sabiam quando o general chegava: as luminárias internas projetavam através das cortinas manchadas um reflexo alaranjado doentio, aquele tom feio de lâmpada velha. Era o único sinal de vida que emanava daquela casa morta.

Tratava-se de um sujeito solitário. Galgara a melhor posição que conseguira no Exército: Coronel. Solteiro, tivera uma vida amorosa bastante extensa, com casos discretos que alimentavam os cochichos na pequena cidade onde vivia. Por deliberada escolha, não tivera filhos. Sua esposa, companheira de quase trinta anos, abandonara-o justamente por essa decisão que considerava egoísta. Desde então, tornara-se para ex-colegas e vizinhos uma figura amuada, de conversas curtas e olhar sempre fixo no horizonte, como se esperasse algo - ou talvez alguém - que nunca chegaria.

Quem sabe ele não fosse bruxo. Ou um maçom. Será que fazia rituais satanistas em sua casa? – Isso e outras coisas os vizinhos falavam de boca miúda para não o chatear.

Jesuíno morreu numa terça-feira de Carnaval. Quando o encontraram, dias depois, seu corpo já estava em decomposição, exalando um odor de crisântemos murchos e terra molhada. Na cabeceira de sua cama, três objetos chamavam atenção: a aliança que nunca tirara do dedo, seu diário militar - onde confessava todos os desvios e desmandos cometidos no quartel em nome da honra e da pátria - e uma fotografia preto e branco de uma jovem, sua ex-esposa.

Os vizinhos ficaram perplexos. Na noite anterior, muitos juraram ter visto uma senhora de cabelos loiros e longos, vestindo um traje azul angelical, passando diante da casa do general. Porém, quando amanheceu, não havia nenhuma pegada no orvalho matinal. Seu único amigo e ex-colega de quartel riu do que ouvira: "Bobagem de gente fofoqueira". Promoveu Jesuíno postumamente a general e rebatizou o quartel onde fizeram carreira com o nome do falecido.

Na primavera seguinte, um único crisântemo desabrochou no já esquálido gramado da casa. Suas pétalas tinham o mesmo verde desbotado das pupilas do general. O verdadeiro alvoroço começou quando as crianças afirmaram que, ao se aproximarem da flor, ouviam chiar uma cadeira de balanço e um suspiro murmurante que pedia: "Perdoa-me, Inês..."

Mas adultos não acreditam nessas coisas.

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